quarta-feira, 25 de abril de 2012

O Velho


Mais uma crônica escrita pelo nosso querido amigo Edmar Oliveira, 70 anos e hóspede Bonsai           

Numa grande metrópole, morava um velhinho simpático, mas aborrecido com as dificuldades da vida miserável que levava. Vivia se perguntando sobre a utilidade de viver.

Nos seus momentos de reflexão, questionava sobre a utilidade do homem na Terra. Que utilidade poderia ter alguém que na visão dele, vivia em constante desarmonia, sem amor e agredindo a natureza que outrora fora o Jardim de Éden? Não entendia por que Deus demorava tanto para vir buscar os Seus filhos. Achava que muitas guerras e catástrofes poderiam ser evitadas se O Dia Final acontecesse logo. 

O velhinho matutava e matutava sem chegar a nenhuma conclusão. Ele era consciente que nada havia feito de útil na sua vida. Não se casara, para não ter aborrecimentos com esposa e filhos. Sempre tivera uma idéia muito comodista sobre sexo e família. Para ele família eram as mulheres da casa da Maria Machadão, a cafetina do lugar. Quando sentisse desejos eram suficientes os chamegos da Rosinha “Corrimão”. Fumar um cigarrinho e beber uma pinguinha, derramando o último trago para o santo completava seu prazer.      

Com esse pensamento entre Deus e os prazeres mundanos ele levava sua vidinha de caboclo. Com um salário mínimo do INSS decorrente de uma aposentadoria por idade, ele sobrevivia porque nunca trabalhou com carteira assinada e tampouco recolheu algum tostão à previdência social. Era o que se poderia chamar de excluído social. Sem casa para morar, dormia de favor nos fundos de uma serraria de um conhecido. O pagamento era varrer o chão e lavar os banheiros todos os dias.

O tempo foi passando e o velho ia com ele. Já não tinha mais apetite para os chamegos da Rosinha, agora uma senhora roliça de faces rosadas, seios flácidos, bunda caída e celulites; reflexo de uma vida desregrada. Diziam até que a coitada vendia drogas para tentar sobreviver. Nessa deterioração inexorável da vida, alguns pensamentos vinham-lhe à mente e o principal era o questionamento do significado da vida. Às vezes brigava com Deus que ele  ouvira falar nos sermões das igrejas  que esporadicamente  frequentava, apenas com o objetivo de conseguir alguma ajuda. Fingia com a cara mais lavada desse mundo que Deus era seu Salvador. Saia da igreja e ia beber sua pinga para esquecer a fome e “esquentar” o corpo nas noites frias.

Sentia a cada dia menos disposição para andar. O corpo alquebrado e torpe refletia as marcas do tempo. Passava a maior parte do dia no jardim da igreja matriz apreciando o canto dos pássaros e os andares maliciosos das garotas com suas calças justíssimas, cós baixo, mostrando o umbigo e algumas até deixando antever o início dos pelos pubianos. Vinha a sua mente a lembrança da Rosinha do passado. “Ah cabrita danada!”, pensava.

Sem forças para limpar a serraria e lavar banheiros ele foi convidado pelo colega a desocupar o lugar. Não reclamou. Nem para isso tinha mais ânimo. Se fosse um pouco mais jovem, teria dito umas boas ou dado umas porradas nele.

Seu destino foi ser morador de rua. Dormia as noites embaixo de uma marquise e fazia as necessidades fisiológicas no matinho de um córrego ali perto. Já nem questionava mais. Afinal, porque Deus  ainda não veio? Qualquer dia desse ele iria dizer umas boas ao pastor que só falava bem da outra vida. E essa vida malvada que estava vivendo? Sentia-se tão fraco que talvez não tivesse forças para acompanhar Deus á nova morada tão prometida.

Sozinho, no seu canto, encolhido e quieto, ele sentia muito medo da violência das ruas. Sofria na pele o descaso das pessoas. Não raro a polícia o levava a casa do morador de rua a pedido dos lojistas que reclamavam do seu mau cheiro. Lá, tomava banho e cuidavam das suas feridas. No dia seguinte, voltava a sua vidinha de excluído social. Sua marquise sempre estava a sua espera. 

Não tinha mais vontade de viver. Algumas vezes chorava baixinho, principalmente, quando não encontrava o que comer nos sacos de lixo.

Foi no meio de uma depressão como essa que, numa noite de verão, depois de sentir as pernas baquearem, ele viu um vulto iluminado envolto em um manto lindo e esplendoroso vindo ao seu encontro. Perplexo, sentiu-se envolvido por uma aura de paz e bem estar. Não entendeu bem tudo aquilo, mas sabia que algo de bom estava para acontecer. Candidamente, aquele vulto pousou sua mão direita no seu ombro e disse - “Filho, levanta-te e dê-me sua mão. Na casa do meu Pai há muitas moradas”. O velhinho, trêmulo e envergonhado e sabedor do que estava acontecendo disse não ser merecedor de tanta Graça. Lembrou-se das palavras do pastor sobre o ladrão da cruz e disse: “Senhor, perdoai meus pecados. Estou sofrendo muito”! Disse isso com todas as forças que ainda sobravam, com os olhos marejados e o coração aos saltos.

No dia seguinte, um camburão da polícia veio retirar aquele corpo estendido na calçada que atrapalhava os pedestres. As pessoas que por lá passavam, ficavam intrigadas.  Porque aquele semblante de felicidade no rosto inerte de um ser tão miserável?


Por: Edmar Oliveira - 18 de Março de 2004.


2 comentários:

  1. Muito bom cunhado, é um orgulho ver voce na ativa, colocando suas crônicas para quem quiser ler. Parabéns, e continue a escrever. Bjos Mercedes

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  2. Viiixiii Seu Edmar... esta foi bem interessante ein?!... Comecei a ler achando que fosse uma comédia... no meio já fiquei meio intrigada e acabou ainda com uma super lição....
    É por isso q eu falo... talento é pra quem tem... conseguiu me deixar novamente com vontade de quero mais... e quero mesmo... qndo virá as próximas.... PARABÉNS viu??!!! Cada dia que passa admiro mais e mais, este grande homem que você é! Um beijo... CAROL

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