quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

Carta a uma Casa de Repouso

[Este texto é uma carta escrita e endereçada a uma Casa de Repouso por uma enfermeira que, preparando o seu futuro, resolve dar indicações sobre a forma como deseja ser tratada.]

“Em primeiro lugar, permitam-me que me apresente, pois no ano 2030 terei 80 anos e é possível que seja uma de suas residentes. Como possivelmente nesse momento, serei incapaz de comunicar os meus desejos, aproveito a ocasião que hoje tenho para o fazer e dizer como queria que me tratasse, se tivesse que passar uma larga temporada com vocês.

Primeiro,  gostaria de conservar a minha identidade. Eu sou a Sra. Maria e é assim que desejo ser tratada. Não quero converter-me em ‘Avozinha’, em ‘Mariazinha’ ou na ‘Sra. da cama 9′. Quero manter o meu nome, quero continuar a ser a Sra. Maria da Silva.

Uma das coisas mais importantes para mim é a minha intimidade. Poderei ter um quarto individual? Provavelmente não, e nesse caso, veja bem se as portas estão fechadas, enquanto me lavam e me vestem.

Ao me darem o banho, assegure-se, por favor, da temperatura da água. Não suporto lavar-me com água fria e muito menos o suportarei quando for velha. Dêem muita atenção em secar-me bem, nada mais desagradável do que sentir-se molhado. Também, cuidem não só da higiene, mas também da minha dignidade e intimidade, por favor. Se não for capaz de me vestir só, espero que quem me cuidar se esforce em manter a minha boa aparência; gostaria que dessem atenção ao que me vestem (tentando até que as blusas combinem com as saias), que não me ponham meias venhas, que não permitam que a combinação apareça por baixo do vestido e, por Deus, não me enrolem as meias abaixo dos joelhos. Depois, uma vez vestida, podem pentear-me? Ah, espero que não se esqueçam de escovar os meus dentes!

Algumas vezes, irei até à sala. Se pudéssemos estar tranquilas! Estou certa que não é preciso deixar a televisão ligada todo o dia, sem se preocuparem se alguém olha para ela… Se tiver livros por perto, percebam se tenho os meus óculos, sem eles é impossível ler…

Se no momento das refeições, eu for incapaz de cortar os alimentos, espero que alguém o faça por mim. Se for preciso, não tenho nenhum inconveniente em comer com colher, desde que me sirvam a comida num prato fundo e nunca num raso, que me obrigaria a ir à caça dos alimentos.

Se me tornar inconveniente, poderiam continuar a tratar-me como um ser humano? Por favor, não me façam cara feia quando descobrirem os meus lençóis molhados! Não me tratem nunca por ‘porquinha’, não me ralhem como se eu fizesse de propósito. Se posso usar fraldas, não me ponham uma sonda por razões puramente práticas. Não quero passear-me com um saco de urina pendurado; seria objeto de curiosidade dos outros o que me causaria um enorme mal estar psicológico.

Seria uma prova de gentileza da parte de vocês, algum interesse pela minha família, pelas fotos que tenho na mesa de cabeceira; no entanto, ficaria chateada se me perguntassem porque não se ocupam de mim os meus familiares ou, porque razão os meus filhos não me vêm visitar mais vezes. Serei feliz se puder sair de vez em quando, ver as árvores em flor na primavera, o mar no verão, ou simplesmente instalar-me no jardim quando o tempo o permitir.

Quando estiver internada o meu mundo será muito reduzido; permitam-me que participe do mundo de vocês. Fale-me de sua família, dos seus amigos; deixe-me falar de minha vida passada, ao menos, finja, se for preciso, que se interessa,  mesmo quando repetir o que disse ontem ou na semana passada.

Poderei parecer exigente, exagerada nos meus pedidos, mas o que desejo é só:
·        Afeto;
·        Ser bem tratada;
·        Ter uma pessoa amigável, que se ocupe de mim.

Estou segura que já pratica todos estes princípios, mas seria bom que os transmitisse aos mais jovens, já que no ano de 2030, quero ser atendida por peritos que sejam amigáveis, como por profissionais competentes.

Não desejareis o mesmo, se tivesse que suportar um longo período de internamento, numa casa de repouso?”

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