terça-feira, 22 de novembro de 2011

Abandono na velhice: idosos vivem dor silenciosa ao serem deixados de lado

Em quais situações uma pessoa pode se sentir abandonada?
A situação de abandono pode acontecer em condições muito distintas na vida do ser humano. Dessa forma, entende-se por abandono uma situação vivenciada pelo homem que pode decorrer de múltiplos fatores, como ausência da convivência social, dificuldades relacionadas à convivência familiar, inexistência de família e de parentes, relações conflituosas vividas ao longo da vida nos grupos de pertencimento; dificuldades estabelecidas nos relacionamentos sociais, incapacidades funcionais e perda total de autonomia.

Quais situações podem levar ao abandono do idoso?
Em pesquisas realizadas pelo Núcleo de Estudos do Envelhecimento da Universidade de Caxias do Sul, percebeu-se que o abandono do idoso está relacionado com sua história de vida e com características individuais de cada ser humano. Essas pesquisas apontam para questões que dizem respeito às relações humanas, principalmente as relações interpessoais que foram construídas ao longo da vida, e que, na velhice, se desdobram com mais clareza quando da necessidade de maior atenção, cuidados diante das fragilidades decorrentes do processo de envelhecimento. Muitas das situações de sentimentos de abandono são reflexos da perda de afetos, representada pela perda do companheiro, de filhos, familiares e amigos. Quando os vínculos afetivos são rompidos e as relações se mantêm apenas por meio de lembranças passadas, o idoso percebe o quanto está só e os motivos que geraram essa condição. A condição de abandono também pode estar relacionada a situações de fragilidade em que o idoso com incapacidade funcional é gradativamente isolado do circuito familiar, aumentando seu sentimento de dependência pelos limites impostos pela incapacidade. Os idosos conseguem diferenciar a situação de estar só da situação provocada pela solidão. Muitos vivem sozinhos por escolha própria, mas não se sentem isolados devido às condições que criaram para desenvolver suas atividades de vida diária, podendo inclusive sentir solidão decorrente da sua condição humana, mas não associam ao sentimento de abandono. Pode-se dizer então que existem variáveis objetivas e subjetivas que influenciam essa condição.

O que acontece com uma pessoa que entende que está vivendo uma situação de abandono?
Pelos relatos dos idosos, a situação de abandono conduz a sentimentos de sofrimento. O idoso espera que suas experiências com familiares, amigos, parentes se prolonguem para sempre, como se todos os ciclos de vida fossem iguais. Toma como referência experiências de inserção passadas em que não existiam problemas de relacionamento e nas quais ele ainda exercia o controle sobre os demais membros da família. Essa perda de poder é anulada pelas lembranças, onde o idoso se coloca ainda num lugar privilegiado, marcado apenas pelo espaço de suas memórias, sem estar preparado para enfrentar as fragilidades que seu envelhecimento trouxe. Dessa forma, muitos relatos demonstram que alguns idosos preferem as lembranças do passado ao enfrentamento das relações sociais no presente, utilizando como mecanismo estar num lugar confortável do passado, negando suas condições do presente e se escondendo do sofrimento e da dor que essa falta de preparação de envelhecer lhe impôs. Há ainda aqueles que assumem a condição do abandono e expressam tristeza por estarem sós e a consciência dos limites que enfrentam e da condição irreversível em que se encontram.

Casos de abandono podem vir a se tornar uma doença grave, por exemplo, desencadear o alcoolismo em uma pessoa que foi abandonada?
As condições de abandono podem gerar muitos tipos de doença, não necessariamente apenas o alcoolismo. Essas situações mostram que os indivíduos buscam mecanismos de alívio e conforto fora deles, sem resolver o problema, ou, pelo contrário, muitas vezes aumentam a distância que os separa dos familiares devido à presença de vícios, drogas, agressões, perturbações, entre outras situações que conduzem ao isolamento.

E quando acontece o caso da pessoa ter apenas um ente próximo e esse falece? Como é tratado o abandono nesses casos?
Atualmente essa situação já é comum na vida de muitos idosos. Com a longevidade, muitos idosos perdem parentes e amigos, de forma prematura, o que gera uma situação delicada de busca de cuidados fora da família. Certamente, as próximas gerações deverão estar atentas para essas situações. O fato de o homem viver mais o coloca numa situação de que seus filhos também estarão na terceira idade quando ele for um idoso mais velho, o que implica na possibilidade de viver mais que seus parentes mais jovens. É importante tomar conhecimento de que esse acréscimo de anos na vida do ser humano altera uma série de circunstâncias para as gerações atuais que seus pais e avós não vivenciaram com os pais e avós deles, principalmente porque morriam cedo. A conquista da longevidade traz para as próximas gerações muitas situações novas, não experimentadas anteriormente, e, consequentemente, todas têm um bônus e um ônus que as sustentam.

Como procurar ter uma vida melhor tendo passado por uma situação de abandono?
As situações de abandono são marcadas por experiências em que há sofrimento, tristeza, angústia, dor, ansiedade e solidão. Se o homem tiver consciência de seus limites, decorrentes de sua finitude, poderá se preparar para enfrentar essas situações. Certo é que não seremos diferentes quando idosos do que fomos ao longo de nossa vida. Por isso, não precisamos esperar chegar a essas situações para ter uma vida melhor. A consciência do presente e a manutenção de valores essenciais de respeito e amor à vida podem auxiliar a minimizar os problemas que nascem do abandono. Muitas vezes as respostas dos idosos encontram-se neles mesmos, o que demonstra que nem sempre bastam recursos externos, mas principalmente tocar os recursos internos, marcando posições positivas, de reconhecimento e apreciação da vida. A riqueza das experiências está no reconhecimento do que elas trazem de conhecimento.


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