Um dos mais concorridos aparelhos, o simulador de caminhada, não é recomendado para qualquer pessoa.
Práticos, simples e democráticos. Os aparelhos de ginástica que
proliferam pelas praças e parques Brasil são, em grande parte, resultados de
iniciativas que aliam o público ao privado na ideia de promover a saúde sem
muito esforço.
Na teoria, a proposta de combater o sedentarismo em praça pública é tão boa
que algumas fabricantes dos aparelhos bancam o trocadilho “Quem vai para ATI
(Academia da Terceira Idade) não vai para UTI (Unidade de Tratamento
Intensivo)”.
Menos segmentadas do que pretendiam ser, as ATIs – também chamadas de
Academias ao Ar Livre – estão presentes em mais de mil cidades brasileiras e
atraem públicos variados e de diferentes classes sociais. De crianças dispostas
a fazer do espaço um parque de diversões, a idosos em busca de uma alternativa
para combater o sedentarismo tão típico do envelhecimento.
Embora o equipamento não tenha, inicialmente, nenhuma contraindicação, o
uso só trará benefícios se a atividade for feita após uma avaliação médica e
mediante orientação de um profissional, defendem os especialistas no assunto.
“Implementar aparelhos sem oferecer apoio e orientação à população é um
disparate. Não se promove saúde nem se consegue resultados se o exercício não
for feito corretamente, seguindo uma série adequada para cada individuo e após
avaliação médica”, alerta Flavio Delmanto, presidente do Conselho Regional de
Educação Física.
Fila para malhar
Na academia instalada na Praça Irmaõs Karmann, na zona oeste de São
Paulo, implementada pelo Hospital Samaritando em parceria com a subprefeitura
da cidade, alguns aparelhos, como o simulador de caminhada, são muito
cobiçados. Nas manhãs quentes, Ana Claúdia Menezes, 37, revela que a disputa é
grande. “É preciso esperar mais de 20 minutos para usar. No verão, a praça fica
sempre cheia”.
Embora avalie positivamente o espaço gratuito para se exercitar, a dona
de casa admite que elabora um circuito pelos seis aparelhos instalados da forma
que julga mais benéfica para si. Como deseja perder peso, Ana acredita que deve
ficar bastante tempo nos aparelhos e fazer quantas repetições o corpo permitir
para obter os resultados desejados na balança. O autodidatismo, de fato, é
imperativo nos frequentadores desses espaços.
“Meu trabalho exige que eu fique muito tempo parado, por isso, comecei a
me exercitar. Gasto, em média, 10 minutos em cada aparelho. Acho que é um bom
tempo para estimular o corpo e ganhar massa muscular”, explica o vigilante
Gilberto, 39 anos, que começou a fazer uso do espaço há 20 dias.
A falta de orientação adequada fará com que a série dele, no mínimo, não
dê resultados, explica o professor Delmanto.
Academia ou parquinho?
Helena Chapiz, de sete anos, gosta de usar os aparelhos após a aula de
natação. Por sentir-se gorda (a menina é magérrima), acha importante fazer
exercícios físicos. “Uso todos que consigo alcançar e faço o número de
repetições que eu aguento.” A brincadeira de exercícios é acompanhada pela
babá, que diverte-se assistindo ao 'treino’.
Os limites
A democracia do espaço também tem seu preço. Segundo a socióloga Maria
do Carmo Machado, 48, alguns aparelhos já foram danificados por excesso de peso
dos usuários. Nenhum dos seis equipamentos da Praça Irmãos Karmann tem uma
placa informativa sobre a capacidade máxima permitida. Todos, porém, recomendam
ao usuário procurar um médico antes de inicar as atividades.
A manuntenção dos equipamentos é bem aquém do esperado. Os usuários
revelam que a média de tempo para substituir ou consertar é de aproximadamente
dois meses.
O foco na terceira idade não pressupõe que todos os idosos estejam aptos
a usar tais equipamentos. Mais consciente das limitações do próprio corpo, Eny
Elza Ceotto, 74, sabe que não pode se exercitar em alguns aparelhos. Para ela,
que tem a perna direita atrofiada por conta de uma poliomielite, o simulador de
caminhada é equipamento proibido.
“Tenho problema com equilíbrio e não consigo forçar minhas pernas. Faço
apenas alguns exercícios para fortalecer a musculatura. Costumo fazer duas
séries de 50" conta.
O disputado simulador de caminhada é contraindicado para a maioria dos idosos. Dois pedais sustentam as pernas a quase 10 centímetros do chão. Um pequeno desequilíbrio pode resultar em queda, e provocar uma lesão séria na bacia, exemplifica Delmanto.
“Além do risco de queda, qualquer atividade cardiovascular, sem
orientação, elava as chances de infarto em pessoas hipertensas”, alerta o
presidente do CREF.
Mal não faz?
Isabel Salles, fisiatra e coordenadora do Centro de Reabilitação do
Hospital Sírio Libanês, em São Paulo, explica que tais espaços são bons
estimulantes da atividade física, mas não promovem refinamento do
condicionamento físico, apenas colocam o corpo em atividade. Os riscos de lesão
na coluna e nas articulações são baixos, mas nem sempre as pessoas sabem
reconhecer, sozinhas, os próprios limites.
“Nesses parques, o equipamento não oferece resistência. São propostos
apenas exercícios de flexibilidade, equilíbrio, ou aeróbicos. Para obter
resultados em termos de saúde, é fundamental aumentar o tempo de uso do
aparelho, investir na frequência.”
A utilidade do acesso esbarra na falta de orientação quanto ao uso.
Segundo a fisiatra, não existem receitas universais capazes de modelar ou
afinar todo e qualquer corpo. O exercício físico é essencialmente
especializado, direcionado. Embora os aparelhos sejam interessantes, sem o
direcionamento de um treino o indivíduo pode ter resultados iniciais, mas será
difícil evoluir.
Arnaldo Hernandes, chefe do departamento de medicina do esporte do
Hospital das Clinicas de São Paulo, avalia como positiva as ações que tenham
como objetivo combater o sedentarismo da população brasileira, mas rechaça
ações limitadas ao acesso.
“É similar a dar um carro a uma pessoa que não sabe dirigir. Fazer o uso
de praças para estimular a pratica de exercícios é positivo, mas pode ser uma
arma se tal projeto não for feito com, no mínimo, um profissional que faça, uma
vez por semana, um questionário prévio para detectar fatores de risco, orientar
os usuários.”
Na visão do médico, o ideal seria que um professor de educação física
estivesse presente nesses locais ao menos uma vez por semana. Uma saída, aponta
Hernandes, seria associar tais iniciativas ao Programa de Saúde da Família.
“Seria interessante incorporar um educador físico a essas equipes. Eles seriam responsáveis por prestar esse atendimento à população”, sugere Hernandes.
Enquanto a promoção da saúde se limitar ao paliativo, Delmanto defende
que a prática de atividades físicas por conta própria seja substituída por uma
consulta médica.
“Antes de usar tais aparelhos ou simplesmente começar a caminhar em uma
avenida, é preciso buscar orientação de um médico ou profissional da área.”
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