“Meu avô torto, médico, pesquisador competente, de especial
sensibilidade musical, no dia em que completou 84 anos – já deprimido pela
morte da esposa, disse-me, ao cumprimentá-lo: “Espero que você não chegue aos
80!”.
Isso tem 25 anos. Nunca me esqueci. Ele sentiu o peso do preconceito e da solidão. Vivamente me lembro de suas palavras a cada comentário maldoso em relação aos velhos que escuto, principalmente aos muito velhos. O peso do preconceito é grande. E quem tem menos de 80 anos tem a responsabilidade de tentar ao menos rever seus valores com relação à velhice. Só assim, acredito, poderemos colaborar para a mudança de paradigmas sociais, históricos e culturais.
Ainda
na família, muitos anos depois do fato relatado acima, minha mãe desenvolveu a
doença de Alzheimer e morreu há dois, aos 79, depois de 10 anos de muito
sofrimento. Acredito ser dispensável falar do meu interesse em compreender a
velhice e tentar não somente estudá-la e pesquisá-la, mas, principalmente,
percebê-la e senti-la. Foi o que tentei fazer por minha mãe inúmeras vezes,
quando ela não mais podia: sentia frio por ela, calor, fome e tudo o mais
possível por ela. Penso que apenas quando nos abrimos para a percepção e para o
sentimento do outro é que podemos começar a elaborar alguma ação transformadora
para colaborar em seu benefício.
A velhice, até muito pouco tempo, era tida como algo humilhante e vergonhoso, um tabu que se tentava não falar, nem comentar. A escritora Simone de Beauvoir comenta em seu livro A velhice, escrito em 1970, que quando dizia que estava desenvolvendo um ensaio sobre a velhice quase sempre as pessoas exclamavam: ‘Que ideia! Mas você não é velha!. Que tema triste…’” Ela diz em seguida: “Aí está justamente por que escrevo: para quebrar a conspiração do silêncio”.
Esse é o texto de introdução da dissertação de mestrado em ciências da religião da PUC Minas de Anna Cristina Pegoraro de Freitas, de 54 anos, sobre Espiritualidade e sentido de vida na velhice tardia . Em quase 200 páginas, ela mostra o sentido de espiritualidade adotado pela Organização Mundial de Saúde (OMS). “Espiritualidade é o conjunto de todas as emoções e convicções de natureza não material que pressupõem que há mais no viver do que pode ser percebido ou plenamente compreendido, remetendo o indivíduo a questões como o significado e o sentido da vida, não necessariamente a partir de uma crença ou prática religiosa. Reconhecendo sua importância para a qualidade de vida, a OMS incluiu a espiritualidade no âmbito dos domínios que devem ser levados em conta na avaliação e promoção de saúde em todas as idades”, diz.
O
interesse pelo envelhecimento da população sempre esteve presente na vida da
psicóloga, mas aumentou com a doença da mãe. Professora da disciplina
Psicologia da vida adulta à velhice nas quatro unidades da PUC Minas (Coração
Eucarístico, Betim, Barreiro e Contagem), Anna Cristina coordena o projeto Mais
idade com idosos, da Pró-reitoria de Extensão, e representa a universidade no
Conselho Municipal do Idoso, da Secretaria Municipal de Saúde.
Vivência
Convivendo com idosos tanto em casa como na PUC Minas, Anna Cristina começou a
pesquisar até chegar à dissertação, que teve como objetivo principal
“compreender como a vivência da espiritualidade influencia na elaboração do
sentido de vida na velhice, utilizando-se de uma pesquisa de abordagem
qualitativa. Para embasar a análise, a revisão da literatura abordou os
conceitos de velhice em diferentes momentos da história – e a velhice como um
estágio do desenvolvimento humano.”
Na
pesquisa empírica, os dados foram coletados por meio da história oral com oito
mulheres entre 80 e 100 anos. “As narrativas geraram três temas principais:
velhice, espiritualidade e sentido de vida, que foram desdobrados em
categorias. A análise permitiu, em síntese, concluir que a espiritualidade se
mostrou um fator fundamental para a elaboração do sentido de vida na velhice
tardia. Sempre, em todas as dificuldades, a espiritualidade está presente como
fator indispensável não só no enfrentamento das mesmas, como também – e
principalmente – como colaboradora de sentido para suas vidas.”
Segundo
ela, o grupo pesquisado também demonstrou que se pode viver uma velhice tardia
com qualidade de vida, dependendo do estilo de cada um, da prática espiritual e
da consciência temporal, ou seja, é possível manter uma vida com sentido.
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